No mesmo dia em que a Climate Action Network (CAN) defende o adiamento da COP26, devido à desigualdade de participação, a presidência da Conferência anuncia que o governo britânico vai fornecer vacinas e financiar as despesas da quarentena exigida para delegados, observadores e jornalistas oriundos de países da lista vermelha.
Este 7 de setembro foi agitado não só no Brasil, mas também no contexto internacional da 26ª Conferência do Clima, no âmbito da UNFCCC (sigla em inglês para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima). Logo cedo, a Climate Action Network (CAN), rede global de ação climática que reúne mais de 1,5 mil organizações da sociedade civil de 130 países, pediu formalmente o adiamento das negociações climáticas da COP26, alegando que o tempo acabou para que o Reino Unido possa realizar uma conferência “normal, segura, justa e inclusiva”.
Para a liderança global da CAN, a desigualdade se materializa na inequidade da imunização contra o vírus causador da COVID-19; no alto custo das acomodações em hotéis de Glasgow, na Escócia, onde será sediada a Conferência; e nos possíveis impactos de novos surtos da pandemia, devido à circulação da variante Delta. Os mais prejudicados, de acordo com a Rede de ONGs, são os representantes de países em desenvolvimento, principalmente do Sul Global. “Essa exclusão apresenta implicações sérias e duradouras para questões que estarão sob deliberação nessa COP, e que são extremamente importantes para os países em desenvolvimento, como o financiamento do clima; perdas e danos; regras do mercado de carbono, entre outros”, menciona a CAN.
“Hoje, 57% da Europa está totalmente vacinada, enquanto apenas 3% da África está”, ressaltou Tasneem Essop, diretor-executivo da Climate Action Network. “Nossa preocupação é que os países mais afetados pela crise climática e os países que sofrem com a falta de apoio das nações ricas para o fornecimento de vacinas sejam deixados de fora da COP26. Sempre houve um desequilíbrio inerente dentro das negociações climáticas da ONU, e isso agora é agravado pela crise de saúde. Olhando para o cronograma atual da COP26, é difícil imaginar uma participação justa do Sul Global em condições seguras”, disse Essop. A COP26 está marcada para ocorrer entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro em Glasgow, na Escócia.
UK se compromete a custear quarentena
No mesmo dia em que a CAN tornou público o pedido de adiamento da COP26, o presidente da Conferência, Alok Sharma, confirmou que o Reino Unido fará, nesta semana, a vacinação de quem solicitou a vacina à UNFCCC por não ter como acessá-la em seu respectivo país. Sharma anunciou também que o governo britânico vai custear a estadia em hotéis de quarentena para aqueles delegados e representantes de países da chamada “lista vermelha” que, “de outra forma, teriam dificuldade de comparecer [à Conferência]”. Atualmente, 62 países integram essa lista, entre os quais o Brasil e a maior parte dos países da América Latina. Todos que viajarem desses países rumo ao Reino Unido para participar da COP terão de cumprir cinco dias de quarentena antes de poder circular por lá. Países que integram as listas âmbar e verde, por sua vez, estão desobrigados de cumprir o isolamento social prévio.
“A COP26 já foi adiada por um ano [de 2020 para 2021], e todos sabemos que as mudanças climáticas não deram folga. O recente Relatório do IPCC destaca por qual motivo a COP26 deve acontecer em novembro, permitindo que líderes mundiais se reúnam e estabeleçam compromissos decisivos para enfrentar as mudanças climáticas”, afirmou Alok Sharma. Ele reiterou o compromisso com uma Conferência “inclusiva, acessível e segura, com um conjunto abrangente de medidas de mitigação à COVID-19”. Segundo informações da presidência da COP26, isso inclui uma oferta do governo do Reino Unido para financiar as estadias em hotéis de quarentena exigidas para os delegados registrados que chegam de áreas da “lista vermelha” e para vacinar os delegados credenciados que não poderiam ser vacinados de outra forma. “Garantir que as vozes das pessoas mais atingidas pelas mudanças climáticas sejam ouvidas é uma prioridade para a presidência da COP26, e, se quisermos contribuir para o nosso planeta, precisamos que todos os países e a sociedade civil tragam suas ideias e ambições para Glasgow”, afirmou Sharma.
Vale lembrar que já se passaram três meses desde o encontro do G7, quando o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, anunciou o plano para providenciar a vacinação contra a COVID-19 para os delegados da COP26 que não pudessem ser vacinados por outra forma. Na ocasião, os delegados foram chamados a registrar o interesse na vacina até o dia 23 de julho. Agora, a menos de dois meses da Conferência, com início previsto para 31 de outubro, muitos delegados seguem aguardando, enquanto a oportunidade de serem vacinados em tempo com as duas doses passa diante de seus olhos.
“É tão injusto, e nos deixa com raiva, porque eles [o Reino Unido e a UNFCCC] têm os recursos para fazer isso acontecer. Eles estão apenas escolhendo colocá-los em outro lugar”, criticou Maria Reyes, ativista climática do movimento Fridays for Future do México, durante entrevista concedida ao jornal The Guardian. Sobre a presença confirmada da Rainha Elizabeth II ao encontro, Reyes foi taxativa: “mas vocês estão impedindo a presença de pessoas afetadas pela crise climática. Isso realmente nos permite ver como essa será a COP mais imperialista de todos os tempos”.
Mesmo diante do anúncio, feito neste 7 de setembro, de que a vacinação se dará nesta semana, a CAN reiterou o pedido de adiamento da COP. “A fim de possibilitar que qualquer reunião presencial, na escala de uma COP, seja realizada de forma segura e inclusiva, em 2022, os governos dos países ricos devem tomar medidas urgentes para fornecer vacinas na escala necessária e transferir tecnologia para permitir a fabricação de vacinas no Sul Global”, afirma. “Esse apelo pelo adiamento não implica, de forma alguma, o adiamento das ações climáticas ou boicote às negociações. Como observadores credenciados, defendemos a resposta mais forte dos governos à emergência climática.”
Mercado hoteleiro inflacionado
Enquanto ONGs e governo britânico discutem a realização ou não da COP este ano, o jornal The Scotsman publicou matéria sobre o inflacionamento do mercado hoteleiro escocês devido à realização da Conferência do Clima em Glasgow. Segundo o jornal, a agência oficial da COP – MCI Group – está monopolizando a provisão de hotéis nos arredores da cidade escocesa, fazendo com que delegados tenham de despender 12 mil libras (pouco menos de R$ 90 mil) por acomodações em quartos sem janela durante os dias da Conferência. Segundo o jornal, o portal oficial de hotéis está cobrando 888 libras por noite em acomodações de baixo custo que, normalmente, não custam mais do que 50.