O presidente eleito foi, sem dúvida, a figura mais badalada desta COP27. Ele participou, nesta quarta (16/11), do seu primeiro evento internacional após a eleição, e fez dois pronunciamentos. Em ambos, afirmou que vai pleitear à ONU que a COP30, em 2025, ocorra em um estado amazônico. Reforçou os compromissos de proteção aos povos indígenas e de desenvolvimento baseado na floresta em pé, com redução das desigualdades e reafirmou o protagonismo do Brasil na governança global. Amanhã (17), participará de evento organizado pelo Brazil Hub com a presença da sociedade civil.
Por Daniela Vianna, ClimaInfo
Luiz Inácio Lula da Silva chegou à Blue Zone, na Conferência do Clima do Egito, por volta das 11h (hora local) e foi recepcionado na condição de estrela do rock, como descreveu John Dennehy, no The National News. Uma multidão de jornalistas, autoridades, indígenas, quilombolas e representantes da sociedade civil se aglomeravam na expectativa de sua chegada, e muitos entoaram o já conhecido “olê-olê-olê-le-a-Lula-Lula”. O presidente eleito dirigiu-se diretamente ao estande do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, onde discursou após receber a Carta dos Governadores pela Amazônia, lida pelo governador do Pará Helder Barbalho, que preside o Consórcio.
Em resumo, o documento reconhece a importância estratégica da Amazônia para o desenvolvimento nacional, e reafirma o “compromisso e o espírito de cooperação” dos nove governadores da Amazônia Legal “em favor de políticas orientadas à conservação e ao desenvolvimento sustentável da Região”. Os nove governadores reforçam o pacto federativo entre os estados e o governo federal, reconhecem que o modelo vigente “para ser economicamente pujante, trouxe o custo de ser ambientalmente devastador e socialmente excludente”, e pedem a retomada do diálogo e maior dignidade aos 29,6 milhões de habitantes da Amazônia. A íntegra da carta está aqui.
O Brasil está de volta ao mundo
Em seu discurso, Lula se comprometeu a pleitear, junto à Organização das Nações Unidas, a realização da COP30, em 2025, na Amazônia. Disse que os estados do Amazonas e do Pará são os que têm melhor infraestrutura para receber um evento internacional dessa magnitude, e que os governadores terão de conversar entre si para decidir o melhor lugar. “Acho muito importante que as pessoas que defendem a Amazônia, que defendem o clima entendam o que é aquela região, para que possam discutir a Amazônia a partir de uma realidade concreta e não apenas através dos livros”, destacou. Sob aplausos, o presidente eleito disse que o Brasil está de volta ao mundo, saindo do casulo ao qual foi submetido nos últimos quatro anos.
Lula reafirmou que vai criar o Ministério dos Povos Originários e reforçou o seu compromisso com os povos indígenas e as comunidades locais. Comprometeu-se a atuar fortemente no combate ao desmatamento ilegal. “Nós vamos conversar com os governadores, não queremos fazer nada sem conversar, sem acordar, mas vamos fazer aquilo que é preciso fazer. (…) Não temos de medir nenhum esforço para convencer as pessoas de que uma árvore em pé, uma árvore viva vale mais do que uma árvore derrubada”.
Em resposta ao pleito por mais diálogo entre os entes federativos, Lula afirmou que ele será permanente, pois é essencial. “Não é possível que o Presidente da República não faça reuniões de tempos em tempos com os governadores, que pense que é capaz de governar o Brasil sem conhecer as necessidades dos estados e das cidades. Porque é lá que está o problema do povo, é lá que o povo quer saúde, educação, transportes, qualidade de vida”, afirmou. “Para a gente acabar com a fome no Brasil, para a gente acabar com a miséria no Brasil, para a gente acabar com o processo de degradação que as nossas florestas estão vivendo, com o sofrimento dos nossos indígenas, nós vamos ter de conversar muito, trabalhar juntos para que o Brasil seja motivo de orgulho e não motivo de desespero, como é hoje.”
Protagonismo na governança global
No discurso que fez à tarde desta quarta (16/11), a convite do presidente do Egito Abdul Fatah Al-Sisi, em uma sala oficial da Conferência, Lula marcou para o mundo a volta do país ao tabuleiro internacional das negociações climáticas e deu um recado contundente aos líderes globais, cobrando ações, principalmente dos países ricos, frente à urgência climática e demandando que os acordos climáticos firmados até agora saiam do papel. É o caso, por exemplo, do Acordo de Florestas, assinado por 130 países na COP26, em Glasgow.
“Não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie chamada humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres”, afirmou. Segundo o presidente eleito, os sinais são claros de que todos são interdependentes para sobreviver e de que, isolados, estarão mais vulneráveis à crise climática, porém, tais alertas estão sendo desconsiderados.
Para Lula, o próprio convite a um presidente recém-eleito para estar na COP mostra que “o mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta e de todos os seres que nele habitam”. “Não é por acaso a frase que mais tenho ouvido dos líderes de diferentes países: o mundo sente saudades do Brasil. Quero dizer que o Brasil está de volta e pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável, de um mundo mais justo, capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes, e não apenas uma minoria privilegiada“, disse ele.
Para apontar os motivos para celebrar o retorno, Lula disse que o Brasil, durante seu mandato, vai reatar laços internacionais; ajudar no combate a fome mundial; cooperar com países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologias; estreitar novamente as relações com outros países latino-americanos e caribenhos, visando um desenvolvimento integrado da região; e lutar por um comércio justo entre as nações e pela paz entre os povos”. Ele propôs a criação de uma aliança para a segurança alimentar e o combate à fome no mundo e comprometeu-se a avançar no acordo entre Brasil, Indonésia e Congo, países que, somados, detêm 52% das florestas tropicais remanescentes do planeta.
Ele também assegurou que colocará o combate à mudança climática no “mais alto perfil na estrutura” do governo brasileiro. “Não haverá segurança climática para o mundo sem a Amazônia protegida”, ressaltou, dizendo que não medirá esforços para zerar o desmatamento. “Não precisamos desmatar sequer um metro de terra, de floresta, para continuarmos sendo um dos maiores produtores de alimentos do mundo”, assegurou, dizendo que “a meta que vamos perseguir é a da produção com equilíbrio, sequestrando
carbono e protegendo nossa imensa biodiversidade, buscando a regeneração do solo
em todos os nossos biomas, e o aumento de renda para agricultores e pecuaristas”.
No discurso, afirmou que o Brasil está aberto à cooperação internacional para preservar os biomas, seja na forma de investimento ou de pesquisa científica, “mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos a nossa soberania”. Mencionou, ainda, as oportunidades com a transição energética para o país.
Dirigindo-se a líderes globais, o presidente eleito cobrou avanços na implementação do financiamento climático, com doação de 100 bilhões de dólares ao ano para os países pobres – prometida e não cumprida desde a Conferência do Clima de Copenhague (COP15), na Dinamarca, em dezembro de 2009. Falou da importância para a criação de um fundo para perdas e danos para os países pobres, que não provocaram as mudanças climáticas, mas sofrem seus impactos de forma desproporcional.
Por fim, defendeu a necessidade de se repensar a governança internacional, enfatizou a necessidade de entrada de novos membros no Conselho de Segurança da ONU e criticou o privilégio do veto, hoje restrito a poucos. “A ONU precisa avançar. Não há nenhuma explicação para que só os vencedores da Segunda Guerra Mundial sejam os que mandam e dirigem o Conselho de Segurança.” Ao finalizar sua fala, Lula indicou uma versão repaginada para o próximo mandato. “Eu não voltei para fazer o mesmo que eu já tinha feito, eu voltei para fazer mais, e, por isso, espere um Lula muito cobrador para que a gente possa fazer um mundo efetivamente mais justo e um mundo humanamente melhor para todos nós.”
A íntegra do discurso está disponível em texto, e vídeo.
Crédito das fotos: Ricardo Stuckert