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Como a corrupção afeta o enfrentamento às mudanças climáticas?

Diversas práticas de corrupção, como fraude, suborno, influência indevida, financiamento ilegal de campanhas e captura regulatória são comuns em políticas públicas e setores como energia, florestas, agropecuária e transportes. Apesar da corrupção fragilizar os esforços de mitigação e de adaptação, o tema ainda é pouco debatido nos fóruns sobre clima.

Por Tatiane Matheus, ClimaInfo

No painel de quinta-feira (17/11), realizado no Brazil Climate Hub, foram discutidas as múltiplas conexões entre clima e corrupção, incluindo soluções e sinergias entre a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e o Acordo de Paris. Participaram desta roda de conversa: a co-Chair do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente e e ex-ministra do Meio Ambiente (2010-2016) Izabella Teixeira, o gerente de Integridade e Compliance do Green Climate Fund Sanjeev Narrainen, a pesquisadora-sênior do Programa de Segurança Climática do Instituto Igarapé Laura Waisbich, e o gerente de Programas da Transparência Internacional-Brasil Renato Morgado.

Partindo do pressuposto de que corrupção é o abuso de poder confiado a alguém para ganho privado, Renato trouxe o resultado da pesquisa “Atlas de Corrupção e Clima”, que analisou diversos casos que demonstram como a corrupção, primeiramente, impacta a agenda climática, pois distorce a formulação de políticas e normas ambientais, climáticas e/ou relacionadas ao clima. Entre as principais práticas estão a captura política e influência indevida, financiamento ilegal de partidos e campanhas, e desinformação e fake news.  

Um segundo impacto é que a corrupção impede que a transição energética ocorra na velocidade necessária por meio de superfaturamento e desvios de recursos em contratos públicos, favorecimento na concessão de incentivos fiscais e conflitos de interesse. O terceiro impacto é o desmatamento, a degradação florestal e a violência contra defensores que, no geral, são realizadas por meio de fraudes de sistemas de controle (madeira, ouro, gado, terras, etc.), lavagem de dinheiro de ativos ambientais e suborno de agentes públicos e privados. 

Ainda quando existe um evento extremo, a corrupção precariza os esforços de adaptação, seja pelas fraudes em licitações de contrato, pelo favorecimento na seleção de beneficiários e obras, e/ou por desvios de recursos em contratações emergenciais. A corrupção fragiliza os mecanismos de financiamento climático e os mercados de carbono, pois paralisa e desvia recursos, favorece projetos menos eficientes e eficazes. Existe, ainda, casos envolvendo projetos de carbono fraudados.

Realizando um trabalho na região Pan-Amazônica, Laura Waisbich analisa que existe, na região, um nexo entre desmatamento, corrupção e crimes ambientais. “A corrupção é um dos fatores centrais para os diferentes crimes ambientais, e cada um deles têm portas de entrada específicas”, explica. As diferentes economias ilícitas – seja a grilagem, a mineração ilegal, a conversão ilegal de terras, entre outros exemplos – correlacionam-se com outras práticas criminosas que as viabilizam, como corrupção de diferentes servidores públicos e fraudes. Na região, de acordo com a especialista, não existe um vazio legal de regulamentação. Mas a corrupção praticada por quem deveria ajudar as leis a serem cumpridas permitem com que haja fraudes para uma “lavagem de produtos”, ao não mostrar a origem ilegal dos mesmos.

Sanjeev Narrainen disse que a corrupção é muito dinâmica em sua natureza, e levá-la em conta deve ser uma estratégia de mitigação de risco nos projetos. “Temos  urgência na ação que é muito importante para endereçar esses desafios e também temos compromisso político a nível nacional. Além da complexidade dos projetos, e do uso do dinheiro que precisa ser injetado no projeto. Infelizmente, são a receita para a corrupção e as más práticas”, explica, acrescentando que a corrupção  acontece em diversos países, portanto, é importante proteger os recursos, que são escassos.

“O Brasil tem capacidades institucionais, no setor público, de saber diferenciar e não contaminar a política com coisas que não são interesses do Estado”, explica Izabella Teixeira. Ela foi servidora pública por mais de 30 anos,  não é filiada a nenhum partido político e exerceu o cargo de ministra do Meio Ambiente entre 2010 e 2016. Atualmente, integra a equipe de transição do governo Lula. Izabella afirma que o setor público tem regras muito duras e também imputa ao servidor da área ambiental, pela Lei de Crimes Ambientais, a responsabilidade ambiental. “Para combater a corrupção tem de ter vontade política de todas as instâncias de tomada de decisão que envolvem o poder público: do presidente da República ao chefe do almoxarifado”, defendeu. Ela alerta que a corrupção erode a democracia, mancha a reputação de diferentes segmentos da sociedade, fragiliza as instituições políticas e provoca o afastamento da população e do setor privado das questões climáticas, por suspeita de que o tema envolve corrupção.

Caminhos possíveis de solução

Os palestrantes trouxeram sugestões de soluções. Os cidadãos devem ter uma nova relação do que é Estado. “O público existe para trabalhar para a sociedade e não se servir da sociedade”, comenta Izabella. Por sua vez, Laura questiona se essas regras e esses instrumentos existentes, que imputam as responsabilidades aos servidores públicos, enxergam os nexos existentes aos crimes que são relacionados à corrupção e à fraude existentes nos crimes ambientais.  “A própria ideia de combate à corrupção tem de estar na estratégia transversal do governo, porque, se não estiver, o objetivo de combater o desmatamento, de zerar o desmatamento, não vai ser logrado”, explicou Laura. Para ela, é preciso fazer um “revogaço” do que chama de ‘atos de corrupção normativa’ ocorridos nos últimos anos.

Sanjeev falou que é preciso desenvolver uma abordagem baseada em risco, para que a corrupção e essas práticas não adentrem o próprio sistema de financiamento. Disse, ainda, que mecanismos de responsabilidade do Green Climate Fund utilizam processos de investigação e sanções para qualquer má prática.

Para Izabella, o brasileiro tem de entender a agenda climática como uma questão cívica e de integridade política. “É preciso ter novas lentes para preparar esse tecido social do Brasil para lutar contra a corrupção. Não é polarizar. É entender como a nossa omissão, e o nosso jeito simpático de achar que dá para tolerar coisas, na realidade escondem uma corrupção profunda no sistema brasileiro”, concluiu.

A íntegra do evento está disponível neste link.

Crédito da foto: Manoela Machado

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