Soluções para a Amazônia, resiliência das comunidades quilombolas e a importância do enfrentamento do racismo ambiental foram temas das rodas de conversa de terça-feira (8/11).
Por Daniela Vianna, Tatiane Matheus e Renata Rodriguez, ClimaInfo
Após os debates de gênero, na manhã no primeiro dia de atividades do Brazil Hub, na terça-feira (8/11), a tarde de ontem envolveu diferentes aspectos relacionado à Justiça Climática.
Na roda de conversa “Amazônia 2030 – Como os maiores problemas da região também são a chave para seu desenvolvimento”, houve o debate sobre o paradoxo envolvendo a Amazônia Legal. Se, por um lado, os estados nos quais está situada a maior floresta tropical do planeta ainda guardam uma vasta área preservada, por outro guardam as marcas do desmatamento praticado em uma área descoberta e mal utilizada tão grande que poderia abarcar toda a produção agrícola do país. Também foi destacado o papel da grilagem de terras entre os problemas da região, “uma vez que o mercado aceita o gado ilegal criado nesses espaços”.
A apresentação do projeto Amazônia 2030 trouxe também uma “mensagem de otimismo. Pesquisadores indicaram que, apesar de a situação amazônica estar envolta em enormes desafios, os mesmos não são irremediáveis. Cada um dos fatores que contribuíram para o atual cenário pode ser aproveitado para avançar em direção a um desenvolvimento regional mais eficiente e sustentável. Também foi destacado o papel da grilagem nos problemas da região, uma vez que o mercado aceita o gado ilegal criado nesses espaços.
A resiliência dos quilombolas
Na sequência, o evento “Ação de transformação por justiça climática: a luta social quilombola” ressaltou que a invisibilidade histórica dessas comunidades, inclusive sobre a importância delas na preservação dos recursos naturais e do patrimônio ambiental do Brasil, precisa (e está) sendo combatida. Prova disso é a presença de representantes de grupos quilombolas nas conferência do clima de Glasgow, na Escócia, e, agora, de Sharm el-Sheik, no Egito. “Esse momento é muito importante para dizer que as comunidades quilombolas existem, e para dizer ao mundo que elas têm um papel muito importante no cuidado com o meio ambiente”, exaltou Antônio João Mendes, representante do território de Conceição das Crioulas, em Pernambuco. Ele mencionou dados do IBAMA, indicando que os territórios quilombolas têm mais de 70% de suas áreas preservadas no Brasil.
“Não são os povos originários que estão queimando a Amazônia, o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pantanal. Nós protegemos [os biomas] e, por isso, colocamos nossas vidas em risco para proteger os nossos territórios”, afirmou Sandra Andrade, da Comunidade Carrapato da Batinga, localizada na cabeceira do São Franscisco, no município de Bom Despacho, em Minas Gerais.
Foi explicitada a necessidade de combate ao racismo estrutural e à violação de direitos dos povos originários, bem como a demanda por inclusão de representantes das comunidades quilombolas nos processos de tomada de decisão e na obtenção de recursos e financiamento climático. Os participantes da mesa também ressaltaram a importância da resiliência quilombola no contexto das mudanças climáticas e dos eventos extremos. Houve, ainda, o lançamento de um manifesto, articulado pela Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e disponibilizado nas redes sociais, além da sinalização da necessidade de se criar um Fundo Biomas – não só Fundo Amazônia. “A Amazônia é o pulmão do mundo, mas sem o coração, sem o rim, sem o fígado, o pulmão não funciona. Então é preciso proteger os outros biomas”, defendeu Sandra Andrade.
Combate ao Racismo Ambiental
Dando continuidade, o painel “O racismo ambiental e a emergência climática no Brasil” apontou para a importância da comunidade negra brasileira na linha de frente da luta pelo combate ao racismo ambiental. O mediador Douglas Belchior — que é militante da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra Por Direitos — destacou que a população negra está na linha de frente na luta contra o racismo ambiental. Segundo ele, os territórios são alvo da destruição ambiental, seja no campo ou na cidade, e não recebem políticas públicas de mitigação climática por parte do Estado, sendo alvo, inclusive, da destruição por parte do próprio Estado. Essa realidade ocorre no Brasil e também em outros países do Sul Global.
A consultora de sustentabilidade e mudanças climáticas para incidência de mulheres negras na agenda de mudanças climáticas da ONG Criola, Hellen Nzinga, explicou que muitas pessoas podem não conhecer o termo sustentabilidade, mas já o vivenciam e já nascem ativistas, pois precisam da terra para sobreviver. Nesta perspectiva, a ONG Criola busca dar a potência necessária para que essas pessoas possam fazer projetos a partir desse conceito.
“Este processo de mudanças climáticas que estamos vivendo tem origem racial”, explica a diretora de política do Instituto de Referência Negra Peregum e militante da Coalizão Negra Por Direitos, Sheila de Carvalho. Para ela, existe um longo caminho ao combate contra o racismo ambiental e de resgate das vozes silenciadas. Sheila apontou para os lugares insalubres para a saúde física e mental com degradação ambiental, onde os maiores impactados são da população negra. Segundo ela, é importante se trabalhar nos três Rs: reconhecimento, responsabilização e reparação, ressaltando que o racismo ambiental precisa estar no centro do debate climático. “Se o problema nos afeta, também temos que fazer parte da solução”, enfatiza Sheila lembrando que será necessário reconstruir o país nos próximos anos. Ela apontou, ainda, que faltam quilombolas e indígenas no grupo de quem pensa a transição ecológica na transição de governo.
Sheila também informa que o racismo ambiental não é novidade nas Nações Unidas, apesar de algumas pessoas acharem que o termo é algo novo nos espaços internacionais. O documento construído na Conferência de Durban (Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância promovida pela ONU, em 2001, na África do Sul) já falava sobre a questão e suas diretrizes foram construídas, anteriormente, na Declaração de Santiago (surgida como instrumento da Segunda Cúpula das Américas, realizada em Santiago do Chile, em 1998).
“A crise climática é também uma crise de justiça racial. O problema ecológico é também um problema humanitário. No final das contas, estamos falando das pessoas, das vidas: umas descartáveis e outras não. Estamos aqui para reclamar o que reclamamos a vida inteira. Considerando que os governos brasileiros são culpados por aqueles que deterioram a terra, que sacrificam a terra e as pessoas”, afirmou Douglas Belchior, no encerramento do painel.
O dia finalizou com a exibição do filme Terras que Libertam – Histórias dos Cupertinos. O documentário apresenta a trajetória da população negra quilombola na Chapada Diamantina (Bahia-Brasil), sua luta pelos direitos territoriais e sociais, a defesa do Território Quilombola de Vazante contra Barragem Baraúnas e a liberdade do guerreiro Julio Cupertino.
Todos os eventos foram gravados e estão disponíveis em português e ingles no website do Brazil Climate Hub.
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Crédito da foto: Eduardo Carvalho/Brazil Climate Hub