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Mecanismos de proteção legal contra a grilagem de terras são debatidos em evento no Brazil Hub

Brazil Hub levanta debate sobre necessidade de as legislações americana e  europeia consultarem as comunidades tradicionais na construção de leis que  impactam diretamente a vida desses grupos.

Por Sara Leal, IPAM

As propostas de legislações internacionais antidesmatamento devem incluir e levar o  conhecimento dos povos indígenas em consideração, além de abranger as demais vegetações, não apenas as consideradas “florestais” pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Esse foi o foco do debate “A necessidade de proteção legal externa contra a grilagem de terras”, realizado na segunda-feira (14/11), no espaço do Brazil Climate Action Hub na COP27, em Sharm El-Sheikh, no Egito. 

Caso as propostas considerem como áreas a serem protegidas apenas aquelas  caracterizadas como florestas, de acordo com a definição da FAO, os biomas  brasileiros que possuem prioritariamente outros tipo de vegetação nativa estarão descobertos, permitindo que as commodities ocupem essas áreas sem nenhuma repreensão do mercado, conforme apontou a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e moderadora do debate, Ane Alencar. 

“Grande parte da soja brasileira é produzida no Cerrado, por exemplo. Ao utilizar a  caracterização de floresta da FAO, mais de 74% da área de vegetação nativa do bioma estaria desprotegida pela legislação europeia, justamente onde ocorre grande parte do desmatamento: mais de 85% do total”, afirmou Alencar, destacando, ainda, que grande parte dos territórios indígenas possui cobertura vegetal não florestal nativa, o que traria um grande impacto para essas comunidades, caso a lei seja aprovada da forma como está. 

De acordo com o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Dinamam Tuxá, é preciso que a lei da Comissão Europeia seja rediscutida, pressionando o parlamento europeu para que amplie o conceito de “floresta”, de modo a atender os anseios das comunidades indígenas e, de fato, proteger os Direitos Humanos. “No formato em que se encontra, a proposta só vai tensionar ainda mais os territórios que estão de fora da cobertura, fomentando a destruição em biomas brasileiros”, enfatizou. 

Segundo o assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), Marcos Kaingang, todas as decisões e discussões que impactam diretamente a vida dos povos indígenas devem ter a participação dessas comunidades, um preceito constitucional fundamental que está consagrado na Carta das Nações Unidas. 

“A legislação é uma conquista importante para a Amazônia, mas negativa para outros biomas como Pampa, Mata Atlântica e Cerrado. Temos muita sociobiodiversidade nesses espaços, mas que a comunidade internacional não conhece e que tentamos dar visibilidade. Por isso, é importante que a proposta seja rediscutida e reavaliada, dialogando também com os povos originários e com outras legislações brasileiras”, finalizou Kaingang. 

As propostas americana e europeia 

Na ocasião, a diretora do National Wildlife Federation (NWF), Nathalie Walker, apresentou uma visão geral do Forest Act, projeto de lei dos Estados Unidos, proposto em 2020, que pretende reduzir o desmatamento ilegal dos produtos importados ao regular a demanda com risco de impacto nas florestas, além de propor assistência aos países produtores. 

Os produtos abrangidos pela regulamentação incluem carne bovina, couro, óleo de palma, soja, cacau, borracha e outros produtos derivados. Segundo Walker, a legislação traz um componente que trata sobre a garantia de que esses produtos não estejam ligados à violência contra comunidades tradicionais e originárias e defensores do meio ambiente. 

Mais recente, proposto em 2021, pela Comissão Europeia, o Projeto de Lei Antidesmatamento da União Europeia prevê que as empresas que querem colocar seus produtos no mercado devem fornecer a localização exata de onde eles são produzidos. O escopo abrange seis tipos de commodities: óleo de palma, soja, madeira, carne bovina, cacau, café e alguns produtos derivados, como couro.

De acordo com a responsável pela produção de campanhas e consumo sustentável  na FERN, Nicole Polsterer, o comitê foi além para garantir que os direitos humanos internacionais sejam respeitados. “Segundo a proposta, os produtores precisam garantir que não estão violando principalmente os direitos humanos no uso da terra. Assim, podemos fortalecer os direitos dos povos originários”, explicou.

Diálogos sobre a sustentabilidade e a rastreabilidade 

A Comissão Europeia e o IPAM organizaram, entre dezembro de 2021 e setembro de 2022, uma série de três “Diálogos técnicos sobre a sustentabilidade e rastreabilidade das cadeias de valor de carne e couro”. Essa iniciativa criou um fórum para discussão sobre os desafios, as oportunidades e as ações futuras voltadas à transparência e à sustentabilidade das cadeias de valor da carne bovina e do couro no Brasil, bem como a importância de políticas públicas.

Com base nesses diálogos, e por meio de entrevistas com os principais stakeholders globais, o IPAM realizou um estudo sobre iniciativas de rastreabilidade nas cadeias de valor de carne bovina e couro no Brasil. Os resultados desse estudo foram apresentados na conferência de encerramento da série, identificando treze delas, atualmente implementadas no país, apontando seus benefícios e recomendações para dar escala a esses sistemas.

Dentre as iniciativas destacadas no estudo estão o Selo Verde, que tem como objetivo combater o desmatamento ilegal, o trabalho escravo, a ocupação de territórios tradicionais, além de promover a regularização fundiária; e a Conecta, que busca aumentar a transparência entre os elos da pecuária.

A programação do Brazil Climate Action Hub na COP27 pode ser consultada no website do espaço. Todos os eventos são transmitidos ao vivo com tradução simultânea em português e inglês. A íntegra do painel está disponível aqui.

O IPAM organiza o Brazil Climate Action Hub junto ao Instituto Clima e Sociedade (iCS) e ao Instituto ClimaInfo.

Crédito da Foto: Divulgação/IPAM

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