Desafios e oportunidades envolvendo o financiamento da agenda climática foram discutidos no Brazil Climate Hub na quarta-feira (9/11), durante apresentação do movimento #PhilanthropyForClimate.
Por Daniela Vianna e Renata Rodriguez, ClimaInfo
O painel “#PhilanthropyForClimate: Um movimento global da filantropia para enfrentar a crise climática”, realizado nesta quarta-feira, 9 de novembro, no espaço da sociedade brasileira na COP27, no Egito, apontou que a filantropia ainda tem um grande espaço para crescer na agenda climática, principalmente no apoio a bases comunitárias. Atualmente, uma parcela muito pequena de todo o recurso filantrópico mundial é direcionado a este tema. É justamente nas comunidades que as transformações decorrentes da descarbonização irão impactar mais.
Houve trocas de experiências e debate entre organizações e lideranças de filantropia tanto do Norte quanto do Sul Global, onde se discutiu, entre outros temas, sobre a infraestrutura de filantropia já instalada no Sul Gobal, por meio da aliança de Fundos Socioambientais. O movimento #PhilanthropyForClimate reúne quase 600 membros de 20 países.
Alice Amorim, coordenadora de projetos do Movimento Global de Filantropia pelo Clima (WINGS), abriu o evento falando sobre que tipos de contribuições a filantropia pode dar ao enfrentamento da crise climática. Durante o evento, ela destacou a dificuldade na obtenção de dados sobre filantropia no mundo, e mencionou o estudo anual da Climate World Foundation, sobre o status da filantropia climática no mundo. O último, lançado recentemente, aponta que apenas 2% da filantropia global vai para o clima. “Esse mesmo estudo mostra que só 10% do recurso de mitigação vai para a África e para a América Latina.”
Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), lembrou que o próprio Brazil Climate Action Hub é fruto da filantropia, tanto nacional quanto internacional. Ela reiterou que é baixo o percentual de recursos da filantropia mundial destinados às questões climáticas. Apenas um terço do montante total é aplicado em projetos do Sul Global. O restante é investido em países europeus. “Ainda é muito pouco, mas com esse muito pouco a gente ainda consegue fazer muita coisa, inclusive o Hub”, afirmou. Ana Toni ressaltou, ainda, que a filantropia está crescendo no Brasil, e destacou a importância de trazer os filantropos para o tema de clima, independentemente das temáticas com as quais estão trabalhando hoje. “Seja educação, saúde, seja qual tema for, dá para incorporar a perspectiva climática. Além disso, é fundamental trazer recursos da filantropia internacional não só para o Brasil, mas para a América Latina e para os os países africanos.”
Exemplos bem-sucedidos de filantropia socioambiental
Durante o evento, foram apresentados exemplos nacionais e internacionais bem-sucedidos de apoio filantrópico às questões socioambientais e climáticas.
Maria Amália Souza, fundadora e diretora de Desenvolvimento Estratégico do Fundo Casa, falou sobre a jornada de mais de 17 anos para fazer com que recursos destinados à proteção de biomas da América do Sul cheguem às mãos dos “grandes protetores desses lugares”, ou seja, as pessoas que dão a vida para proteger os territórios, “mas que não têm recursos, pois são considerados incapazes de administrá-los, o que não é verdade”. O Fundo casa, segundo Amália, desenvolveu uma metodologia que contraria a lógica da filantropia convencional.“Mapeamos as pessoas que estavam precisando e criamos uma estrutura capaz de responder na rapidez, na eficiência, na flexibilidade, no cuidado, no carinho e na confiança”. Em quase duas décadas, o Casa já fez mais de três mil apoios em dez países, e ajudou a consolidar cinco novos fundos na Bolívia, no Peru, na Colômbia, no Equador e em Moçambique.
Fernanda Lopes, diretora de Programas do Fundo Baobá para Equidade Racial, disse que o Fundo, criado em 2011, capta recursos dentro e fora do país e distribui exclusivamente para iniciativas da população negra brasileira, visando endereçar, além das questões climáticas, também o racismo sistêmico e estrutural. “Quando pensamos em mudanças climáticas e olhamos para as populações negras das grandes cidades, elas estão prioritariamente nas regiões periféricas, onde não há acesso às políticas básicas e infraestrutura para moradia, saneamento, emprego, renda, pré-educação e saúde. Esses são um dos principais grupos afetados pelos impactos perversos das mudanças climáticas”, ressaltou. Já nas mais de seis mil comunidades quilombolas distribuídas pelo país, segundo ela, “essa população é a que vivencia os maiores danos e perdas desse processo de mudança climática, porque ele afeta o solo, impõe migrações e restringe a agricultura”.
Eduardo Franco, presidente da Fundação Socioambiental Semilla, da Bolívia, falou sobre o avanço da perda de biodiversidade naquele país, que está entre os 15 países mais biodiversos do mundo. Inspirada no Fundo Casa, a Fundação presta apoio a comunidades protetoras do meio ambiente. “Fazemos parte do grupo Socioambiental do Sul, junto com o Fundo Casa, e estamos fornecendo apoio aos grupos comunitários do país para ajudá-los a proteger os seus ecossistemas, essa é a nossa principal missão”, resumiu.
Já o coordenador de fomento da Fundação Tide Setúbal, Guiné Silva, disse que a organização tem desenvolvido, nos últimos cinco anos, um trabalho de enfrentamento de desigualdades e promoção de iniciativas voltadas para justiça social, com atuação prioritária nas periferias.
Leslie Johnston, da Laudes Foundation, contou que a organização é bastante ativa no Brasil e olha para o clima com uma lente interseccional. “O Brasil mostra o desafio que nós temos em relação à crise climática, mas também a desigualdade de várias formas diferentes. (…) Se quisermos mudar o clima, temos que fazer isso da base para o topo”, afirmou, lembrando o que aprendeu no tempo em que atuou na África. “30% dos nossos financiamentos estão indo para o Hemisfério Sul, e eu gostaria de aumentar esse valor, mas, se você está tentando mudar o sistema, você não pode mudar o sistema sem ter um campo forte”, destacou, ressaltando a importância de trabalhar com parceiros brasileiros.
Rafael Gioielli, gerente-geral do Instituto Votorantim, disse que há 20 anos o instituto atua para profissionalizar estratégias de investimento social realizadas por empresas do grupo empresarial com o mesmo nome. Segundo ele, com os aprendizados obtidos junto às iniciativas beneficiadas – inclusive sobre os impactos dos próprios empreendimentos nessas comunidades – iniciou-se um processo de advocacy e militância, dentro das empresas do grupo, visando transformar algumas práticas corporativas e desenvolver uma estratégia de sustentabilidade. “Dentro dessa perspectiva, passa a entrar na temática climática, ajudando as empresas a pensar as suas estratégias de mitigação e também de adaptação”.
Por fim, Carolina Zambrano, da CLUA (Climate and Land Use Alliance), disse que, atualmente, a Aliança trabalha com 60 diferentes fundações a partir de operações no Brasil, Indonésia, Colômbia, México, Peru e América Central. “O principal objetivo é a colaboração, é trazer essas diferentes fundações com tópicos diferentes para uma conservação de justiça social para trazê-las para um objetivo comum, colocando no seu núcleo o uso da terra, as pessoas e as florestas”, contou. “Uma coisa que me fascina sobre as mudanças climáticas é a complexidade e a incerteza, não apenas relacionada aos impactos, mas também às soluções que podemos trazer. É aí que a filantropia pode ser mais ativista, pois podemos mitigar mais os riscos, analisá-los e, vendo as experiências mais bem-sucedidas e as falhas, aprender o que devemos fazer para enfrentar essa crise, principalmente, promovendo justiça social e técnicas de conservação”, concluiu.
A íntegra do painel está disponível neste link.
Todos os eventos foram gravados e estão disponíveis em português e ingles no website do Brazil Climate Hub.
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Crédito da foto: Eduardo Carvalho/Brazil Climate Hub