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Na COP27, congressistas debatem fraudes na  regularização fundiária e PEC do Clima

Mau uso do Cadastro Ambiental Rural, o CAR, é realidade no Brasil e contribui para o  aumento da grilagem de terras em florestas públicas não destinadas. A colaboração entre sociedade e Congresso na implementação das novas políticas ambientais brasileiras é considerada chave para futuro do país.

Por Lucas Itaboranhy e Natália Moura, IPAM

Durante o painel “Iniciativas Parlamentares e Populares para reduzir as emissões por  desmatamento no Brasil”, realizado nesta segunda-feira (14/11) na COP27, a Conferência do  Clima das Nações Unidas, congressistas e lideranças da sociedade civil brasileira apresentaram  panoramas e desafios para a preservação da Amazônia. Eles avaliaram a política fundiária dos últimos anos, e a importância de se criar sinergias entre sociedade e parlamentares na implementação de políticas ambientais efetivas. Os participantes ressaltaram que existe hoje, no Brasil, um mau uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR), fato que contribui para o aumento da grilagem de terras em florestas públicas não destinadas.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), apresentados em maio deste ano na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, 65% dos 3,2 milhões de hectares desmatados de florestas públicas não destinadas na Amazônia, até 2020, possuíam cadastros ambientais irregulares.

“As comunidades e os povos tradicionais da Amazônia estão segurando a floresta de pé com seus próprios corpos e suas vidas. Precisamos que as políticas públicas acompanhem esse  esforço. Precisamos destinar as florestas ainda não destinadas e cancelar todos os CARs  irregulares”, alertou a coordenadora de Parcerias da Amazônia de Pé, Renata Ilha. 

A afirmação de Ilha fundamenta-se em dados recentes: dos 56,5 milhões de hectares de  florestas públicas não destinadas na Amazônia, 18,6 milhões de hectares possuem CARs  ilegais sobrepostos às áreas preservadas. Dos 3,2 milhões de hectares de florestas públicas  não destinadas desmatados na região, até 2020, 65% eram áreas com cadastros irregulares. 

Na esteira da resolução, foi protocolado em março de 2022, pelo senador José Serra (PSDB-SP), o PL 486/2022 – fruto de uma colaboração entre o IPAM e a Rede de Ação Política pela  Sustentabilidade (RAPS). O projeto de lei, que tramita no Senado, pretende criminalizar inscrições ilegais e proibir o CAR em áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas, e em florestas públicas não destinadas a qualquer um desses usos. Além do PL, o senador também protocolou a PEC do CAR, que altera o artigo 188 da Constituição Federal para definir a destinação de florestas públicas. 

O palco do Brazil Climate Action Hub recebeu, também, a deputada Joênia Wapichana (REDE RR), os senadores Fabiano Contarato (PT-ES) e Randolfe Rodrigues (REDE-PE), o presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Bruno Kono, e a diretora-adjunta de Políticas  Públicas do IPAM, Gabriela Savian.

Para Rodrigues, mais do que consolidar as pautas, o evento permitiu um olhar esperançoso e propositivo para a agenda ambiental brasileira. “A boiada foi detida pela luta popular, pela  luta de ribeirinhos, de indígenas, da sociedade civil e de órgãos públicos. Chegou o momento de não só conter a boiada, mas de plantar o futuro que está por vir. Um futuro com desmatamento zero, com a PEC do Clima e com o Brasil assumindo novamente o papel central em um futuro  sustentável”, frisou o senador. 

Regularização Fundiária 

Apesar do histórico, o CAR, ferramenta prevista no Código Florestal Brasileiro, tem um papel  fundamental na regularização fundiária brasileira. Para Savian, o desmonte das políticas de  terras no Brasil é responsável pela corrupção da ferramenta. “Temos uma desestruturação  programática da pauta ambiental, e isso faz com que uma ferramenta de cadastro ambiental vire arma de grilagem na mão de criminosos. O CAR pode ser um ótimo instrumento, mas estão permitindo que ele seja usado com fins espúrios”, afirmou. 

Por ser autodeclaratório, a CAR permite que comunidades isoladas possam, por exemplo,  registrar suas terras e, assim, orientar políticas públicas focadas na preservação. “Temos  anônimos ocupacionais na Amazônia. Sabemos que existem pessoas morando em algumas  áreas, mas não sabemos quem são essas pessoas. Como vamos aplicar qualquer política  pública se não sabemos se são indígenas, quilombolas ou ribeirinhos? Precisamos conhecer  nossos povos”, apontou Bruno Kono.

De acordo com último relatório de povoamento do Tô no Mapa, mais de cinco mil famílias de  povos e comunidades tradicionais e de pequenos agricultores – ainda não reconhecidas nos  mapas oficiais do Brasil – utilizaram o aplicativo para realizar o automapeamento de seus  territórios. São quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas,  quebradeiras de coco-babaçu, entre tantos outros, que acessaram a ferramenta para  demarcar os limites de suas terras. Dados do IPAM e do Instituto Sociedade, População  e Natureza (ISPN), produzidos por meio de um levantamento em parte do Cerrado, mostraram que existem 3,5 vezes mais comunidades tradicionais no bioma do que realmente foi computado por órgãos governamentais responsáveis. 

Construindo a PEC do Clima 

Durante o encontro, a deputada Joênia Wapichana apresentou detalhes da PEC 37, de 2021,  apelidada de PEC do Clima, que inclui a segurança climática como direito humano  fundamental, como princípio da ordem econômica e financeira nacional e como núcleo  essencial do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

A tramitação da PEC se iniciou após reuniões do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que reconheceu o meio ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito humano  fundamental. Segundo a deputada, trata-se da “lei mais urgente do mundo”. 

“Por que constitucionalizar a justiça climática? Porque isso obriga a sistematização de várias  áreas e coloca peso na preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e  reconhece que não existem outros direitos, incluindo o direito à vida, se não tivermos um meio ambiente equilibrado”, ponderou Wapichana. 

A proposta de emenda foi desenvolvida pela deputada Wapichana, primeira deputada  indígena eleita no Brasil, em conjunto com Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e outros deputados da Frente Parlamentar Ambientalista, além de pesquisadores e lideranças sociais. 

Pagamentos por serviços ambientais

Em tramitação no Congresso está ainda a regulamentação da Lei 14.119, que institui a Política  Nacional e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), sancionada  em janeiro de 2021. O documento trata da remuneração de agricultores familiares, comunidades tradicionais e povos indígenas por serviços prestados em suas respectivas propriedades. 

A proposta, desenvolvida em parceria com as instituições integrantes da Força-Tarefa de  Pagamento por Serviços Ambientais e Mercado de Carbono da Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura, estrutura objetivos e diretrizes com foco em ações de manutenção, recuperação ou melhoria da cobertura vegetal em áreas consideradas prioritárias para a conservação. A remuneração pode vir por meio de recursos monetários, melhorias sociais ou títulos verdes por redução de emissões. 

Durante sessão na Câmara dos Deputados, em julho deste ano, a pesquisadora do IPAM e líder da Força-Tarefa, Erika Pinto, afirmou que, além de criar um ambiente jurídico para o pagamento dos serviços, a norma será fundamental para a sustentabilidade econômica do Brasil nos próximos anos. “Vamos entrar em um colapso muito grande, nos próximos anos, se não fizermos nada. Estudos mostram que, no sul da Amazônia brasileira, por exemplo, a perda de receita, considerando só a cadeia da carne, seja de 180 bilhões de dólares até 2050”, alertou a pesquisadora.

A programação do Brazil Climate Action Hub na COP27 pode ser consultada no website do espaço. Todos os eventos são transmitidos ao vivo com tradução simultânea em português e inglês. A íntegra do painel está disponível aqui.

O IPAM organiza o Brazil Climate Action Hub junto ao iCS (Instituto Clima e Sociedade) e ao Instituto ClimaInfo.

Crédito da Foto: Divulgação/IPAM

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