Organizações listam iniciativas para que o Brasil recupere o protagonismo na diplomacia do clima em evento lotado na Cop27.
(Sharm El-Sheikh, Egito) Com a presença de duas ministras dos governos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva, Marina Silva e Izabella Teixeira, entidades da sociedade civil apresentaram na COP27, nesta segunda-feira, propostas para serem adotadas pelo novo governo na área ambiental e climática. Especialistas listaram, em evento no Brazil Climate Action Hub, iniciativas capazes de reconquistar para o país o protagonismo diplomático de antes do governo Bolsonaro. Lula estará em um evento no Brazil Hub nesta quinta-feira.
Deputada federal eleita, Marina Silva disse que o novo governo traz o anúncio de um “velho novo tempo”. Ela ressaltou o otimismo do mundo com a eleição de Lula. “Vejo de todos os lados as pessoas querendo ajudar o Brasil, da Alemanha à Noruega, a filantropia, as empresas querendo investir, isso tem um nome, e o nome é governo do presidente Lula”, afirmou. A ex-ministra defendeu que será necessária união de esforços para continuar o movimento em busca de um desenvolvimento próspero, justo, diverso, democrático e sustentável.
Izabella Teixeira relatou o esforço feito por todos que lutam pelo clima para marcar a presença do país na agenda ambiental nos últimos quatro anos. Contou que, nas últimas conferências, ela precisou pegar emprestada a credencial de outros países para poder se sentar à mesa nas negociações climáticas. “O Brasil era um país aplaudido nas negociações internacionais”, lembrou, destacando o papel do país na proposta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e outros acordos. “Não há diplomacia ambiental sem ciência robusta”, acrescentou. “Em um mundo em guerra, é hora de paz. O mundo espera uma liderança dessa gente bronzeada mostrando seu valor”, concluiu. Antes de tudo, ela disse, é preciso punir quem comete crimes. “Não é possível esquecer, já cometemos esse erro no passado.”
Para Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e moderadora do painel Novo governo: Brasil de volta ao jogo climático, nos quatro anos do governo Bolsonaro, “a sociedade civil soube resistir e formular propostas concretas a serem implementadas por qualquer esfera de governo para reduzir as emissões de carbono”. O painel contou com parlamentares de diversos partidos, representantes dos movimentos indígena e negro e da iniciativa privada, que apresentaram sugestões e propostas concretas. “A sociedade é diversa, mas todas as propostas vão na mesma direção”, avaliou Ana Toni. O Brazil Hub é organizado pelo iCS, pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e pelo Instituto ClimaInfo, com apoio de diversas entidades da sociedade civil.
Confira propostas apresentadas no Brazil Hubi
José Carlos da Fonseca Jr., da Coalizão Brasil Clima, Floresta, Agricultura, apresentou uma lista de 28 recomendações para o Brasil reduzir suas emissões tratando da prioridade do acesso a financiamento, do foco em agricultura de baixo carbono, da retomada da homologação de terras indígenas, do financiamento climático e da criação da Autoridade Nacional do Clima. “Somos um país que tem a ambição e a oportunidade de fazer um esforço coletivo pela inclusão da temática socioambiental na pauta”, acrescentou Natalie Unterstell, da Iniciativa Clima e Desenvolvimento.
Representando 105 grandes empresas, Marina Grossi, do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), relatou o avanço do setor produtivo e do que chamou de consenso das empresas comprometidas com sustentabilidade. Ela apresentou compromisso, com a assinatura de 119 CEOs e 14 entidades do setor empresarial, para acabar com o desmatamento ilegal e beneficiar comunidades tradicionais, mostrando que o Brasil pode produzir preservando. “Nosso ativo ambiental tem que alavancar o ativo social”, disse. Nesse sentido, os créditos de carbono têm potencial para organizar ações completas que impactam o cotidiano dos brasileiros. “Biodiversidade e clima estão entrelaçados mais no Brasil do que no resto do mundo”, disse Marina, ao apresentar o sumário de propostas do setor empresarial ao novo governo Lula.
A secretária executiva da Uma Concertação pela Amazônia, Renata Piazzon, apresentou a sugestão de 14 atos normativos para os primeiros 100 dias do novo governo nas áreas de saúde, educação, conectividade, ciência e tecnologia e meio ambiente. “Não dá pra se falar em agenda verde quando se está no vermelho, assim como não dá para falar de agenda ambiental sem agenda social, sem justiça social e sem floresta em pé”, disse Renata.
Em nome de 400 empresas associadas, de representantes da academia a grupos de direitos humanos, o Instituto Ethos sugeriu diretrizes para que a agenda socioambiental seja trabalhada de forma transversal, com retomada e revisão de planos como a Agenda 2030 e os ODS, além de estímulo ao arcabouço para regularização, distribuição de renda, transparência e inclusão, justiça climática e racial, combatendo a violência e fortalecendo a liderança das populações mais vulneráveis. Marina Ferro, do Instituto Ethos, lembrou que “socioambiental se escreve junto, não separado, e argumentou que “as empresas são atores essenciais, e precisam trazer em seu compliance as ferramentas de consulta e diálogo com comunidades para fortalecer processos, perdas e danos, e aumento da transparência nas cadeias produtivas”.
Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos, abordou a necessidade de tratar da situação do racismo ambiental. Para ele, a crise climática é uma crise de justiça racial e o enfrentamento do racismo ambiental é fundamental. “O povo negro e quilombola, que representa 56% da população do Brasil, sequer é citado nos níveis globais”, afirmou. Belchior disse ainda que “combater o racismo ambiental significa fazer política na ponta, onde as pessoas existem”.
A presidente do Instituto Igarapé, Illona Szabó, entregou sua lista de prioridades para o próximo governo centrada em segurança pública, assim como governança e controle de crimes ambientais. “O Estado de Direito vai nos permitir entregar e alcançar as metas climáticas”, completou.
Por nove anos à frente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sonia Guajajara cobrou a criação do Ministério dos Povos Originários, promessa de Lula. “O governo precisará criar condições para povos indígenas criarem seus próprios protocolos porque quando se fala em desenvolvimento se fala em tratores, motosserra, mas é importante criar políticas socioambientais inclusivas”, disse. “É importante que a agenda econômica não esteja dissociada da agenda ambiental.”
“Agenda de avanços” no Congresso
O senador Randolfe Rodrigues disse que a vivência dos 4 anos do governo Bolsonaro foi “fundamental para termos a dimensão do que representa a obra de reconstrução e o novo tempo que virá”. Segundo Randolfe, a ansiedade é grande e não é à toa, tanto é que o novo governo parece ter começado com dois meses de antecedência. “Quem mais sofreu foram as populações tradicionais da nossa Amazônia, e o que ouvi do presidente eleito é que este será o governo dos povos indígenas, sem mais garimpo”, disse. O senador também destacou as vitórias da sociedade no Supremo Tribunal Federal (STF). “Não foram poucas as vitórias, a boiada que eles queriam empreender não passou porque teve índio resistindo, teve sociedade civil resistindo.”
“Depois de 4 anos segurando o trator no braço, perdemos muitas pessoas no caminho, pela pandemia, pela ação irresponsável do governo. O desafio nos próximos 4 anos não é mais ter uma agenda defensiva no parlamento, mas uma agenda de avanços”, disse o deputado federal Alessandro Molon. O país, segundo ele, perdeu muitas oportunidades nas últimas décadas e séculos. “A oportunidade que temos pela frente não podemos perder, e o planeta espera que ocupemos esse papel no cenário ambiental”, afirmou.
Para Renato Casagrande, governador do Espírito Santo, não existe proteção aos povos indígenas e política de igualdade racial e de sustentabilidade sem democracia. Segundo ele, o movimento dos Governadores pelo Clima surgiu pelo afastamento do governo federal. “Governadores e sociedade civil não devem recuar, precisamos nos unir para avançar”, disse. Casagrande defendeu que cada estado tenha seu plano de redução de emissão de carbono, com responsabilidade para recomposição florestal, transição energética, controle de desmatamento e obras de infraestrutura. “Todos de mãos dadas para que cada estado possa construir seu plano de neutralidade de carbono e mudanças climáticas, proteção dos recursos naturais e buscar oportunidades econômicas”, disse.
A deputada Joenia Wapichana cobrou que o novo governo não cometa erros como a construção da usina de Belo Monte. “Nós, indígenas, temos a força dos encantados, trazemos o espírito da floresta, a força dos nossos ancestrais, por isso resistimos há mais de 522 anos de colonização. Queremos ser tratados como autoridade, com financiamento climático e ter nossas ideias incluídas.” A parlamentar afirmou que os povos originários estão prontos para contribuir a partir de seus conhecimentos técnicos sobre seu mundo, a Amazônia, “para que o Brasil tenha credibilidade e estabilidade política e jurídica, retomando a agenda socioambiental e climática com participação positiva e participativa dos povos indígenas”.
Para o deputado Rodrigo Agostinho, o desafio atual é que o mundo volte a confiar no Brasil. “Temos muita tarefa de casa a fazer, como retomar áreas protegidas, transformar essas áreas em espaços onde a economia funcione, valorizar a economia da floresta com regulamentação do Novo Código Florestal, produtos da floresta, mercado de carbono”, disse. “Se trabalharmos só com comando e controle, a gente perde a guerra”, pontuou. “Precisamos de um Green Deal para florescer e ter um longo cardápio de opções, não dá para trabalhar com uma única solução”, disse.
Dias melhores virão, mas ainda é cedo para festejar, segundo a senadora Eliziane Gama. nos próximos 40 dias ainda será preciso ter vigilância atenta para evitar que o atual governo aprove medidas anti ambientais. “Em 40 dias dá para fazer muita maldade”, concluiu.
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OS EVENTOS
A necessidade de proteção legal externa contra a grilagem de terras
O painel discutiu as ameaças aos direitos dos povos indígenas e como a reforma na legislação de commodities na União Europeia, nos EUA, no Reino Unido e em outros países pode ajudar a fornecer melhor proteção. Entre os participantes estiveram Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e Marcos Kaingang, da Coordenação da Arpinsul. “É fundamental que países que se colocam preocupados com a crise climática sejam também responsáveis na importação de seus produtos. Não adianta assinarem acordos para reduzir desmatamento, mas não elaborarem leis rígidas para garantir que seus produtos não estejam conectados a ações ilegais”, disse Dinamam Tuxá.
“Ao entorno dos territórios indígenas na região sul, a realidade é que estamos rodeados por grandes plantações de monocultura. E que é apenas graças aos povos indígenas que existem áreas preservadas na nossa região. Não adianta termos derrotado Bolsonaro e as legislações nacionais e internacionais que fortalecem o agronegócio, e violam os direitos dos povos indígenas seguirem ativas massacrando nossas vidas”, afirmou Marcos Kaingang. Participaram também do painel Ane Alencar, Diretora de Ciências do IPAM, Nathalie Walke, Senior Director, Tropical Forests and Agriculture – NWF, e Nicole Polsterer, Sustainable Consumption and Production Campaigner – FERN.
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Governadores Pelo Clima ratificam coalizão e lançam Consórcio Brasil Verde
A iniciativa Governadores pelo Clima (GPC), articulada pelo Centro Brasil no Clima – CBC, promoveu o evento “Novos Cenários e Novos Passos”, no Brazil Hub, com a presença dos governadores Renato Casagrande (Espírito Santo) e Hélder Barbalho (Pará) e de duas ex-ministras do Meio Ambiente e um ex-ministro da pasta: Marina Silva, Izabella Teixeira e Zequinha Sarney. O evento marcou o início de uma nova fase para a aliança Governadores pelo Clima, com a adoção, a partir de janeiro, de ações rápidas e concretas pelos governos estaduais, em parceria com o governo federal. No evento também foi lançada uma carta de compromisso para os próximos anos que já conta com as assinaturas de 15 governadores.
O diretor executivo do Centro Brasil no Clima (CBC), Guilherme Syrkis, destacou a necessidade de uma reconciliação entre os diferentes setores da sociedade brasileira. “A realidade hoje é de uma divisão muito grande. Precisamos ter humildade, dar as mãos, voltar a conversar e retomar a capacidade para dialogar com o Congresso Nacional, com uma composição mais conservadora do que a atual. Os governadores serão essenciais nesse processo”, afirmou.
Presidente do Governadores pelo Clima, Casagrande lembrou que a aliança se fortaleceu em virtude do afastamento do Governo Federal do tema e que agora, a partir da posse do novo governo, vai se fortalecer a partir da soma de esforços. “É muito bom que cada governo estadual tenha seu plano de neutralidade de carbono porque poderemos somar esforços com o Governo Federal”, ressaltou o governador.
Sergio Xavier, Articulador Político do CBC e Coordenador dos Labs de Economia Regenerativa, reforçou que “temos a possibilidade de uma nova configuração, com os governadores implementando políticas públicas e ambientais”. Para Helder Barbalho, o Brasil tem pela frente uma oportunidade extraordinária de construir e fortalecer o pacto federativo, com o envolvimento da sociedade civil: “Queremos somar energias e trabalhar com um único viés: mostrar que o Brasil tem responsabilidade com a pauta climática e com a preservação da floresta e quer debater o combate ao desmatamento e discutir floresta em pé, floresta viva, que produza biodiversidade, que valorize e prestigie os saberes das comunidades tradicionais, que gere renda e oportunidades”.
Zequinha Sarney, secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, encerrou o evento com um alerta para o crescimento do desmatamento no Brasil, que, segundo ele, está fora de controle. “Precisamos mostrar que o governo não aceita e nem compactua com o desmatamento. A sinergia dos governos estaduais e municipais vai fazer com que rapidamente viremos essa página ruim da nossa história”, disse.
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Confira toda a programação de hoje no site do Brazil Hub |
Sobre o Brazil Climate Action Hub O Brazil Climate Action Hub foi criado para a COP25, em Madri, 2019, a fim de garantir a presença da sociedade brasileira no debate climático internacional. Naquele ano, por decisão do governo Bolsonaro, o Brasil se recusou a sediar a COP25 e decidiu nem ter um estande oficial na conferência. Bolsonaro e Ricardo Salles também se recusaram a incluir representantes da sociedade civil na delegação brasileira como era historicamente feito pelo governo brasileiro. A sociedade civil brasileira se organizou, fez um grande mutirão, conseguiu credenciar mais de 100 ONGs, grupos indígenas, jovens e representantes do movimento sindical e do movimento negro e montou o Brazil Climate Action Hub. Um espaço na área oficial da conferência, o primeiro da sociedade de um país e que se tornou “A” referência do Brasil na COP. Um espaço que representa a resistência ao desmonte ambiental e climático do governo Bolsonaro. Um sinal para a comunidade internacional de que a sociedade brasileira não se sentia representada por aquele governo. Em 2021, em Glasgow, o Brazil Hub se consolidou como o espaço nacional e internacional de resistência e protesto, assim como de representação e diálogo das melhores iniciativas climáticas do Brasil. Foi o palco de mais de 50 eventos, recebeu ministros, senadores, representantes dos movimentos sociais, setor privado nacional e internacional, evidenciando vitalidade e o protagonismo da sociedade civil brasileira. A pluralidade e a diversidade foram sempre a marca do Hub, que reuniu representantes de organizações ambientalistas e participantes dos movimentos negros, quilombolas, indígenas, das juventudes além de políticos, empresários, cientistas, artistas e jornalistas. Na COP de Sharm el Sheikh, o Brazil Climate Action Hub celebra a vitória do Presidente Lula e espera que este seja seu último ano, uma vez que, a partir de 2023, a sociedade civil brasileira estará novamente junta com o Governo Brasileiro compartilhando o mesmo espaço. |
DE OLHO NA PROGRAMAÇÃO DO HUB (15/11/2022)
Tema: Florestas, Implementação e Responsabilidade
Caminhos para o fim do desmatamento: engajamento entre elos das cadeias agroalimentares | 10h às 11h (Egito) / 5h às 6h (horário de Brasília)
Da ciência à ação: Bioeconomia como alternativa para o desenvolvimento sustentável da Amazônia | 11h15 às 12h15 (Egito) / 6h15 às 7h15 (horário de Brasília)
A importância da Amazônia e papel de arte e da Cultura na Valorização e Conservação da Região e seus Povos | 12h30 às 12h45 (Egito) / 7h30 às 7h45 (horário de Brasília)
Integridade e Conformidade nas Cadeias Produtivas da Agropecuária | 13h às 14h (Egito) / 8h às 9h (horário de Brasília)
Do planejamento à ação: sociedade e política conectados no combate às mudanças climáticas no Brasil | 14h15 às 15h30 (Egito) / 9h15 às 10h30 (horário de Brasília)
De Glasgow a Sharm El-Sheikh: avanços na Campanha Race to Zero no Brasil e novos investimentos | 15h30 às 16h30 (Egito) / 10h30 às 11h30 (horário de Brasília)
Para mais informações:
Avenida Comunicação
Marita Boos – [email protected] – (21) 99116-1370
Mario Ferreira – [email protected] – (21) 98007-3796