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Foto: UNFCCC Flickr_UNClimateChange

Top-5 desafios da COP26 para a “década crítica”

‘Coragem e espírito de solidariedade’ devem inspirar tomadas de decisão da próxima Conferência do Clima, considerada a mais importante desde o Acordo de Paris (2015).

Os cinco principais desafios da agenda de negociações climáticas internacionais para a 26ª Conferência do Clima (COP26), marcada para ocorrer entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro em Glasgow, na Escócia, requerem “coragem e espírito de solidariedade”, aponta a presidência da COP26. Os temas prioritários, que serão detalhados abaixo, envolvem 1) escalar as políticas de adaptação às mudanças climáticas; 2) manter viva a meta de limitar o aquecimento global em 1,5 grau Celsius (na comparação com o período pré-industrial); 3) perdas e danos; 4) aumentar urgentemente o financiamento climático; e 5) concluir o Manual de Regras de Paris, considerado “vital para a integridade, credibilidade e ambição” dos compromissos assumidos no âmbito da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima).

A priorização dos temas foi fortalecida durante reunião informal, realizada em julho, com a presença de mais de 50 ministros do Meio Ambiente e representantes de alto nível da Organização das Nações Unidas. Desde então, o presidente da COP26, Alok Sharma, intensificou a sinalização aos países-membros sobre a importância dessa agenda climática.

O documento resultante do encontro de julho indicou que os participantes estão imbuídos do senso de urgência necessário para endereçar a crise climática, explicitada principalmente após a divulgação do Sumário Executivo da primeira parte do 6º Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima, na sigla em inglês). “Há um imperativo político para garantir que o progresso real e tangível seja feito em todas essas questões na década crítica até 2030”, revela o texto de resumo do encontro.

Alok Sharma tem sinalizado aos países-membros da UNFCCC a necessidade de que assumam compromissos climáticos mais ambiciosos, com metas mais restritivas de redução das emissões de gases de efeito estufa. As metas atuais no âmbito do Acordo de Paris representam aproximadamente um terço do que é necessário para limitar o aumento da temperatura média do planeta a 1,5º C na comparação com o período pré-industrial, lembrando que a temperatura média já subiu 1,1º C até agora. Sharma esteve no Brasil entre os dias 3 e 6 de agosto com essa missão. Embora não tenha sido recebido pelo presidente Jair Bolsonaro, Sharma teve reuniões com outros interlocutores do governo federal, dentre os quais os ministros Joaquim Álvaro Pereira Leite (Meio Ambiente), Carlos França (Itamaraty) e Tereza Cristina (Agricultura).

Em outro encontro, com representantes de governos estaduais e municipais, de empresários e da sociedade civil, recebeu sinalizações claras de que diferentes setores da sociedade brasileira estão comprometidos com o Acordo de Paris e dispostos a honrar o papel histórico brasileiro nas negociações climáticas.

 

Roadmap para escalar a adaptação

A Convenção reconhece que o suporte à adaptação está no coração da ação climática, e que é preciso acelerar as medidas em direção ao Objetivo Global de Adaptação (GGA, sigla de Global Goal on Adaptation, em inglês). Estabelecido pelo Artigo 7 do Acordo de Paris, o GGA prevê que as ações sejam baseadas em três frentes principais: ampliação da capacidade adaptativa; fortalecimento da resiliência; e redução da vulnerabilidade às mudanças climáticas. No encontro entre ministros e representantes da ONU, discutiu-se a importância de avançar nessa agenda antes mesmo da realização da COP26.

Desde 2019, o Comitê da Adaptação tem se debruçado sobre os desafios envolvendo o estabelecimento de padrões comuns para medir impactos e desenvolver ações de adaptação globais, tendo ouvido diversos especialistas sobre o tema até fevereiro deste ano. Após uma ampla revisão bibliográfica, o Comitê identificou os principais desafios, sejam eles metodológicos, empíricos, conceituais ou políticos, bem como as abordagens potenciais para o desenho de um roteiro, na COP26, capaz de estabelecer como as discussões sobre GGA poderiam avançar. Entre os desafios mais complexos está a criação de indicadores e medidas que sejam comuns e que, ao mesmo tempo, permitam considerar as especificidades locais, principalmente diante do chamado ‘Global Stocktake’ (GST), ou balanço global da implementação do Acordo de Paris. A boa notícia é que, apesar das incertezas sobre o como, já existe praticamente um consenso sobre a necessidade de se financiar ações de adaptação em todo o mundo, embora ainda existam divergências quanto à divisão dos montantes de financiamento que deveriam ser alocados para adaptação e para mitigação. 50/50? 80/20? As apostas ainda estão na mesa de debates.

Os resultados dos levantamentos sobre adaptação foram apresentados ao longo de 2021 em três workshops informais, durante conferências regionais organizadas pela Presidência UK-Chile, sendo o último para países do continente africano, em 17 de agosto. O workshop foi apresentado também para países da América Latina e do Caribe, em maio, e da Ásia e do Pacífico, em julho. As contribuições estão sendo compiladas em um artigo técnico que será finalizado e divulgado em setembro.

 

Meta de 1,5 grau Celsius na UTI, mas ainda viva

A primeira parte do 6º Relatório do IPCC, elaborada pelo Grupo de Trabalho 1 e lançada em 9 de agosto, foi inequívoca. O homem é responsável pelo aquecimento global, e tem suas impressões digitais bem-marcadas nas 2.390 bilhões de toneladas de CO2 emitidas desde 1850. “Mudanças recentes no clima são generalizadas, rápidas, intensificadas e sem precedentes em pelo menos 6.500 anos”, sentenciaram os cientistas do IPCC. Eles foram além: “a menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento de 1,5 grau Celsius pode ser impossível.” O fato é que cada fração de grau importa para frear o aquecimento. Tradicionalmente conservador em suas projeções e cenários, o IPCC lançou o relatório mais contundente da história.

Esse senso de urgência parece ter contagiado os ânimos de ministros e do presidente da COP26, Alok Sharma, que se comprometeram, durante a reunião de julho, a defender a limitação do aumento médio da temperatura global em 1,5º C (na comparação com o período pré-industrial) durante as negociações da COP26. Eles admitem que as Partes não estão fazendo o suficiente para endereçar o alerta da ciência. O Relatório das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês), ou seja, as metas e prazos de redução protocolados pelos países, estão muito aquém do que a ciência considera necessária.

Se a humanidade é parte do problema, deverá ser parte da solução. Entretanto, se os países não revisarem suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, incorporando essa urgência nas metas e políticas, e se limitarem apenas a cumprir os compromissos já assumidos no Acordo de Paris, o aquecimento médio estimado para 2100 é de 2,4º C, de acordo com projeções do Climate Action Tracker.

“Já demos a receita para limitar o aumento em 1,5 grau Celsius. Iniciar imediatamente a redução em 7% ao ano das emissões de CO2, 70% das de metano e 90% das de black carbono até 2050; agora, precisamos saber se a sociedade e os políticos vão fazer a parte que lhes cabe”, afirmou o pesquisador e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Paulo Artaxo, um dos autores brasileiros do 6º Relatório do IPCC, durante o lançamento do estudo.

A presidência da COP26 saudou o compromisso dos países do G20 – responsáveis por mais de 80% das emissões globais – de antecipar as NDCs para antes da COP26, e pediu que todas as Partes aumentem suas respectivas ambições de acordo.

 

Um ‘bode’ na sala das negociações

A falta de definição envolvendo mecanismos de governança para minimizar, evitar e recuperar países mais vulneráveis de perdas e danos provocados por eventos extremos e pelas mudanças do clima foi considerado um dos grandes fracassos nas negociações da COP25, ocorrida em 2019, em Madri, na Espanha. À época, negociadores, observadores e representantes de organizações não governamentais ligadas aos direitos humanos acusaram os países do G20 de empurrar com a barriga a tomada de decisões sobre financiamento e apoio técnico aos países em desenvolvimento e mais vulneráveis, a despeito da urgência climática. A questão envolvia, principalmente, a definição de quem e como pagaria a conta. Esse tema chega como uma das prioridades da agenda climática da COP26.

Como resultado de Madri, estabeleceu-se a Rede de Santiago como fórum de debates sobre o tema. A COP estabeleceu o Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos (WIM, na sigla em inglês) associados aos Impactos das Mudanças Climáticas. A implementação das funções do Mecanismo de Perdas e Danos é orientada pelo Comitê Executivo, sob a orientação da COP.

Após 19 meses de consultas entre as Partes, o Reino Unido e o Chile promoveram o primeiro encontro técnico da Rede de Santiago em 16 de julho deste ano, a apenas quatro meses da COP26. No encontro, agências técnicas e organizações demonstraram interesse em se engajar à Rede de Santiago; e iniciou-se o debate para avaliar oportunidades e potenciais barreiras de operacionalização da Rede sob o ponto de vista técnico.

No encontro de ministros, promovido pela presidência da COP, todos convergiram sobre “a necessidade urgente de intensificar os esforços para lidar com perdas e danos, reconhecendo que os impactos estão crescendo exponencialmente”, tanto no que se refere aos impactos devastadores dos eventos climáticos extremos quanto dos chamados eventos de início lento, incluindo a elevação do nível do mar. Existe um entendimento comum da importância de considerar aspectos locais, bem como a capacidade institucional, a experiência técnica e o financiamento acessível para endereçar a questão. Os ministros reconheceram a importância de promover assistência técnica para perdas e danos, principalmente em apoio aos países mais vulneráveis.

 

Mão fechada para o financiamento climático ou vergonha alheia

Um dos obstáculos estruturais mais significativos para a ação climática nos países em desenvolvimento envolve a questão do financiamento climático. Esse promete ser um dos tópicos mais quentes na Conferência da ONU sobre o Clima de Glasgow (COP26), como destaca o ClimaInfo, e está associado aos desdobramentos de duas outras pautas relevantes da agenda – a escalada da adaptação e o mecanismo de perdas e danos.

Existe uma cobrança crescente, por parte dos países pobres e da ONU, para que as nações mais ricas e emergentes – reunidas no G7 e no G20 – abram a mão e liberem recursos para projetos de adaptação climática. As promessas de estabelecer um fluxo constante de recursos, por meio do Fundo Climático Verde (GCF), e de chegar a 2020 com US$ 100 bilhões anuais garantidos não se concretizou. Observadores da COP ainda não estão certos de que isso possa ocorrer até o encontro de Glasgow.

Na última reunião informal da Presidência da COP26, em julho, os ministros enfatizaram a urgência em aumentar o financiamento climático e a importância do cumprimento da meta de US$ 100 bi por ano, em nome da “confiança e credibilidade no processo de mudança climática da ONU, reconhecendo o financiamento como um facilitador para impulsionar ações climáticas ambiciosas em escala e vincular a outros elementos da agenda para resultados de Glasgow”. Vários ministros enfatizaram que os países desenvolvidos devem definir como vão mobilizar os US$ 100 bi anuais até 2025 e apoiaram a proposta de um roteiro para cumprir esse objetivo.

Nas próximas semanas, os olhos ficarão voltados à 25ª reunião do Comitê Permanente de Finanças, marcada para ocorrer entre 6 e 8 de setembro, quando o Fundo Verde Climático (GCF) vai apresentar o Relatório 2021. Na ocasião, serão discutidos temas como mecanismos financeiros, fluxos de financiamento e finanças para Soluções Baseadas na Natureza. A reunião será híbrida (parte virtual, parte presencial) e vai ocorrer em Bonn, na Alemanha.

 

Livro de Regras de Paris: hora de agir

“Durante décadas discutimos o problema. No Acordo de Paris, estabelecemos o compromisso para enfrentar o problema. Agora, a COP26 vai marcar um novo capítulo na história. Será o momento de agir”, resumiu a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que hoje co-preside o International Resource Panel (IRP), criado no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente para investigar problemas dos recursos críticos do mundo, com o objetivo de desenvolver soluções práticas para formuladores de políticas governamentais, indústria e sociedade.

Antes de agir, no entanto, será necessário colocar o ponto final no texto do Livro de Regras de Paris, que vai nortear o como fazer. Essa foi mais uma das pendências oriundas da COP25. O principal entrave envolve o Artigo 6, que trata das definições para a implantação do mercado de carbono. Também estão pendentes o estabelecimento de um cronograma comum (common timeframes) das NDCs e a definição de melhorias no Sistema de Transparência. No encontro informal dos ministros, em julho, eles reconheceram que precisam exercer um papel mais ativo nas negociações, para fazer com que a COP26 seja bem-sucedida.

Sobre o Artigo 6, os ministros concentraram-se na viabilidade de propostas de transição envolvendo três questões, quais sejam, evitar a contagem dupla por meio do mecanismo do Artigo 6.4; usar unidades pré-2020 para o cumprimento das metas das NDCs; e apoiar a ação de adaptação por meio do Artigo 6. Tais propostas foram levantadas durante consultas ministeriais virtuais realizadas nos dias 7 e 12 de julho. Durante o encontro dos ministros com o presidente da COP26, ficou acordado que a ministra de Sustentabilidade e Meio Ambiente de Singapura, Grace Fu, e o ministro do Clima e Meio Ambiente norueguês, Sveinung Rotevatn, serão responsáveis por fazer novas consultas com seus pares de outros países-membro antes de Glasgow. Parênteses: Rotevatn é o mesmo ministro que condicionou a retomada dos repasses do Fundo Amazônia, suspenso na gestão de Ricardo Salles, em 2020, à sinais políticos claros, por parte do governo brasileiro, de que o desmatamento no país não seria tolerado. A Noruega é o maior doador do Fundo, cujo dinheiro continua retido nos cofres públicos.

Em paralelo, ficou acordado que as ministras do Meio Ambiente de Ruanda, Jeanne d´Arc Mujawamariya, e da Suíça, Simonetta Sommaruga, ficarão responsáveis por consultar informalmente seus pares sobre os cronogramas comuns (common timeframes) de implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas.

O presidente da COP26, Alok Sharma, solicitou, ainda, que o Sistema de Transparência seja acelerado. Ele afirmou que está comprometido a trabalhar incansavelmente para obter resultados ambiciosos na COP26, enfatizando que ainda existe muito trabalho pela frente e que o resultado bem-sucedido da Conferência será responsabilidade de todos.

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